Oncologia,

Grupo de  Órbita e

                  Oculoplástica

Semiologia

 

Órbita

 

Semiologia da órbita

 

     A órbita é um pequeno espaço piramidal no esqueleto da face, com base anterior e quatro paredes ósseas que se orientam para o seu vértice. Nela se encontram muitos tipos de estruturas e tecidos, que, quando a sua função está alterada, são responsáveis por uma grande variedade de sintomas e sinais.

    Como os sintomas e sinais não são específicos de determinada patologia, mas pelo contrário, são variadas manifestações de muitas doenças, mais do que o estudo de cada sintoma ou sinal por si, é mais útil saber o porquê de cada um deles, e como da sua avaliação em particular se podem deduzir grande parte das suas causas subjacentes.

    Assim, a semiologia da órbita - estudo dos sintomas e sinais que podem surgir numa doença orbitária -, só pode ser correctamente entendida se há um conhecimento prévio detalhado da anatomia e da fisiopatologia orbitária.

    Por isso, antes de pensarmos em como valorizar cada sintoma ou sinal, é bom relembrar os padrões fisiopatológicos e os padrões anatómicos da doença orbitária.

 

Índice

 

1- Padrões fisiopatológicos da doença orbitária:

        A) Inflamação   B) Neoplasia   C) Anomalia estrutural   D) Lesão vascular   E) Lesão degenerativa ou depósito

 

2- Padrões anatómicos da doença orbitária:

        A) Anterior   B) Difuso   C) Apical   D) Lacrimal   E) Miopático   F) Ocular   G) Peri-orbitário

        H) Intracónico   I) Nervo óptico   J) Sistema de drenagem lacrimal

 

3- Da abordagem fisiopatológica à observação clínica da doença orbitária:

        A) Localização da doença   B) Alterações dinâmicas

 

        Observação do doente com patologia orbitária:

        A) Anamnese   B) Exame objectivo

 

 

1- Padrões fisiopatológicos da doença orbitária

 

    Na órbita e sua vizinhança, podem ocorrer 5 processos fisiopatológicos, que podem surgir de forma independente ou de forma associada, havendo neste caso, normalmente, um processo dominante facilmente detectável:

 

    Distribuição dos padrões fisio-patológicos, segundo Jack Rootman (1988), numa amostra de 1400 casos:

 

57% Inflamação

47% Orbitopatia Tiroideia (OT)

10% Outras inflamações

22% Neoplasia

 

16% Anomalia estrutural

  7% Congénitas

  9% Adquiridas (trauma)

  3% Lesão vascular

 

  2% Lesão degenerativa ou depósito

 

 

A- Inflamação

 

    Em conjunto, a inflamação é o grande grupo (cerca de 60%) das doenças primárias da órbita. O seu substrato fisiopatológico determina a natureza da sua apresentação clínica: este varia desde o infiltrado agudo de células inflamatórias com os seus mediadores químicos, até aos infiltrados tardios no caso de algumas respostas imunitárias mal direccionadas.

    Na inflamação aguda, os leucócitos polimorfonucleares (LPMN) são as células dominantes que induzem um processo rápido e por vezes destrutivo. Pelo contrário, nas inflamações crónicas, podem predominar os linfocitos, plasmocitos, histiocitos e fibroblastos (como no caso da OT e da inflamação esclerosante idiopática) ou os infiltrados granulomatosos (caso da granulomatose de Wegener e da inflamação lipogranulomatosa).

    As características e a localização da inflamação condicionam a apresentação clínica, que pode variar de aguda (dominada pela dor, hiperémia, perda de função e mal estar geral), sub-aguda a crónica (que pode ser caracterizado por um processo infiltrativo, ou simplesmente produzir um efeito de massa).

 

    1) Inflamação aguda

    A inflamação aguda é caracterizada por um rápido desenvolvimento (dias) de inequívocos sinais de inflamação (Calor, Rubor, Tumor, Dor e Perda de função). A celulite infecciosa é o modelo da inflamação aguda. É deduzida pelo rápido início (dias, semana) de proptose, dor, hiperémia, que podem terminar por lesão das estruturas orbitárias. A maioria destas inflamações ter origem nos seios perinasais (especialmente nas crianças), mas pode-se originar também no globo ocular, por bacteriémia ou infecção de uma ferida.

    A localização da inflamação determina o efeito nas estruturas orbitárias: uma infecção pré-septal no início, raramente afecta a função das estruturas orbitárias, mas pode lesar as estruturas palpebrais; a sinusite com envolvimento orbitário pode ter uma rápida e importante repercussão na função do nervo óptico.

    Fisiopatologicamente, a infecção bacteriana aguda atrai LPMN com os seus mediadores químicos que levam à necrose e a uma rápida destruição dos planos tecidulares. Assim, as primeiras manifestações são edema, hiperémia, dor, perda de função e mal-estar sistémico, com a consequente localização da infecção (eventualmente com formação de abcesso), ou na sua impossibilidade, à disseminação sistémica.

Nos exames complementares de imagem, este processo é traduzido por edema, infiltrado e destruição, com margens irregulares, podendo levar à formação de abcesso, perda dos planos tecidulares normais, separação de estruturas e aumento da captação de contraste.

 

    O prático e limitado diagnóstico diferencial desta inflamação aguda inclui 6 patologias:

1- Celulite infecciosa

2- Inflamação idiopática inespecífica da órbita

3- Inflamação ocular aguda (uveíte, esclerite, queratite)

4- Miosite aguda (infecciosa ou não)

5- Evento súbito numa lesão pré-existente (hemorragia num linfangioma)

6- (raro) Neoplasia fulminante, como o rabdomiosarcoma, coloroma ou metástase (as neoplasias fulminantes habitualmente apresentam-se com sinais de inflamação sub-aguda)

 

    2) Inflamação sub-aguda

    A inflamação sub-aguda apresenta-se normalmente sob dois padrões, que se estabelecem em semanas ou meses, sob sinais mais subtis de inflamação:

    a) ou por um início e progressão lenta de desvio das estruturas orbitárias (pela massa e efeito de massa), hiperémia, dor e perda de função,

    b) ou por uma inflamação que progride com períodos de remissão.

 

    a) Muitos casos de orbitopatia tiroideia (OT) infiltrativa são bons exemplos de doença inflamatória de início lento. O mecanismo imuno-patogénico subjacente consiste num infiltrado de linfocitos, mastocitos e plasmocitos, com aumento dos mucopolissacaridos, tecido conjuntivo e água, afecta inicialmente os músculos óculo-motores e a gordura orbitaria. Assim, o quadro clínico consiste num edema das pálpebras e conjuntiva, proptose, hiperémia e diplopia. Se a inflamação é importante, podem dominar os problemas secundários à proptose e ao envolvimento motor.

    Pelo contrário, se a inflamação é principalmente no vértice, o que está mais afectado e precocemente é o nervo óptico e os nervos óculo-motores, independentemente do grau de proptose.

    b) Como exemplo de inflamação sub-aguda que progride com períodos de remissão, está a inflamação orbitaria secundária a patologia dos seios perinasais, especialmente no adulto. O carácter remissivo é devido a duas causas: o primeiro é o desenvolvimento de mecanismos de defesa naturais como a formação de fístula e drenagem; o segundo e mais frequente é de causa iatrogénica, devido a tratamento incompleto ou inapropriado da sinusite com envolvimento orbitário.

 

    Os diagnósticos diferenciais desta inflamação orbitaria sub-aguda são:

1- OT

2- Celulite infecciosa (especialmente a fúngica)

3- Inflamação orbitaria idiopática (inespecífica), especialmente a granulomatosa

4- Inflamação ocular primária (uveíte ou esclerite)

5- Doença vascular do colagéneo

6- Neoplasias fulminantes

7- (raro) Dilatações vasculares e exsudação tecidular associado a fístulas arterio-venosas podem dar quadro que pode ser confundido com inflamação.

 

    3) Inflamação crónica

    A inflamação orbitaria crónica é dominada pela progressão de sinais inflamatórios silenciosos ou muito ténues, que leva ao desvio das estruturas orbitárias com ou sem evidência de compartimentação ou interferência com a função orbitaria. Assim, a inflamação crónica pode produzir doença infiltrativa ou simplesmente produzir efeito de massa.

    Um padrão infiltrativo clássico pode ser observado na inflamação esclerosante idiopatica e em algumas inflamações granulomatosas idiopáticas. A inflamação estimula uma resposta desmoplástica que infiltra a órbita, levando à imobilização das estruturas. Os exames complementares de imagem revelam perda dos limites das estruturas por uma massa infiltrativa irregular.

 

    O diagnóstico diferencial das inflamações orbitárias crónicas inclui:

1- Doença linfo-proliferativa

2- OT

3- Neoplasia primária e secundária

4- Doença vascular do colagénio

5- Infiltração esclerosante idiopática

6- (raro) Outras doenças (amiloidose)

 

    B) Neoplasia

 

    As neoplasias são cerca de 22% das doenças orbitárias. A lista de possíveis tumores primitivos da órbita é quase tão extensa como a lista dos tumores que se podem originar nos vários tecidos do organismo, e está continuamente a aumentar. No entanto, para efeitos de prática clínica, podem ser classificados fisiopatologicamente com base no seu comportamento biológico geral. Isto é, podem ser benignos ou malignos, e podem ter comportamento infiltrativo ou não infiltrativo.

    Clinicamente, os tumores benignos não infiltrativos normalmente estão unicamente associados ao seu efeito de massa, sem provocar destruição ou compartimentação, apenas empurramento das estruturas orbitárias. É o caso do adenoma pleomórfico da glândula lacrimal, do hemangioma cavernoso, e do schwanoma.

    Pelo contrário, os tumores benignos infiltrativos, que incluem muitos tipos de tumores de invasão local, podem estar associados a lesão funcional ou compartimentação. É o caso do linfangioma, o hemangiopericitoma e o histiocitoma fibroso.

    As neoplasias malignas também podem ter estes dois tipos de comportamento. Certos carcinomas (como os da glândula lacrimal) e linfomas, podem ter comportamento infiltrativo e efeito destrutivo que provoca desvio das estruturas orbitárias (pelo efeito de massa) e défice neurológico (motor, sensitivo ou visual), ou comportamento menos agressivo e não infiltrativo, exercendo unicamente efeito de massa.

   Nos exames complementares de diagnóstico, os dois tipos são caracterizados por efeito de massa que provoca desvio; no entanto, as lesões infiltrativas malignas podem ter margens irregulares, estruturas encarceradas e destruição óssea, em oposição às massas não infiltrativas, regulares e mais macias.

 

    C) Anomalia estrutural (congétita ou adquirida)

 

    As anomalias estruturais incluem as anomalias ósseas (como a disostose craniofacial ou doença de Crouzon, a hipoplasia maxilar e a assimetria facial).

    As anomalias estruturais congénitas incluem as ectopias (como o quisto dermóide, o teratoma, a microftalmia).

    As adquiridas são na realidade lesões pós-traumáticas da órbita. Todos os tipos de lesão física são possíveis, sendo os mais frequentes a fractura por traumatismo directo, mas também são possíveis as causas térmicas, químicas e as induzidas pela radiação. Incluem-se também neste grupo os quistos de implantação, os lacrimais e mucocelos.

 

    D) Lesão vascular

     

    As lesões vasculares da órbita constituem um importante grupo, com variadas causas, mas poucos tipos de manifestações, baseadas nas características do fluxo sanguíneo ou na sua ausência (hemodinâmica).

    As lesões vasculares arteriais não obstrutivas podem ter fluxo alto ou baixo (incluindo tumores, malformações e fístulas),

    As lesões venosas são pequenas ou grandes (variz distensível ou não distensível). Os linfangiomas são lesões vasculares hemodinamicamente isoladas. As lesões vasculares obstrutivas podem ser da vertente arterial ou da vertente venosa.

    Um exemplo clássico de tumor de alto fluxo da vertente arterial é o hemangioma capilar infantil. Este inclui o hemangioma facial “em morango”, que têm um espectro de envolvimento de um hemangioma infantil superficial localizado a hemangiomas faciais extensos, com ou sem múltiplas hemangiomatoses internas e externas. Por vezes estes hemangiomas podem ser intraorbitários (hemangioma infantil profundo) que se manifestam por exoftalmia pulsátil devido ao seu rico aporte sanguíneo.

    Os hemangiomas cavernosos são tumores vasculares de baixo fluxo sanguíneo. Crescem lentamente nas órbitas dos adultos. Imagiologicamente são lesões bem definidas com boa captação de contraste e pouca retenção tardia.

    Nas fístulas artério-venosas e malformações congénitas ou adquiridas, o local da comunicação pode ser grande ou pequeno, resultando lesões de alto ou baixo fluxo. Quanto maior a comunicação, mais evidentes são os achados orbitários: uma lesão de alto débito manifesta-se por exoftalmia pulsátil, frémito, quemose e marcado edema orbitário, que pode ser comprovado pela TC e angiografia. Pelo contrário, uma fístula carótido cavernosa de baixo débito, pode manifestar-se por uma pequena elevação da pressão venosa que induz dilatação das veias epiesclerais, orbitárias, e intra-oculares, com pouca proptose e ausência de frémito.

    Na vertente venosa da circulação, as lesões também podem ter grandes comunicações (distensíveis) ou pequenas comunicações (não distensíveis). Por exemplo, a variz não distensível tem um fluxo mínimo, e assim normalmente manifesta-se por um episódio de trombose espontânea ou por uma hemorragia. No entanto, também se pode apresentar por um tumor assintomático resultante de pequenas tromboses e hemorragias.

    Pelo contrário, os grandes shunts venosos frequentemente se apresentam com enoftalmos e proptose intermitente, quando é pressionada a veia jugular.

    Algumas lesões têm elementos obstrutivos arteriais e venosos. Mas também as obstruções arteriais e venosas podem fazer parte de um processo local ou sistémico, como no caso de um quadro de súbita quemose, edema e dilatação das veias da retina por uma trombose da veia orbitaria secundária a sinusite esfenoidal.

 

    E) Lesão degenerativa ou depósito

 

    Incluem doenças orbitárias caracterizadas por atrofia, depósitos e cicatrização. São exemplos a miopatia progressiva e os depósitos de substância amilóide.

 

 

    2- Padrões anatómicos da doença orbitária

 

    O efeito de qualquer doença na órbita é ditado não só pela natureza primária do processo (fisiopatologia) mas também pelo local onde se instala. A localização da lesão afecta profundamente a sua apresentação clínica. Por exemplo, um pequeno tumor do ápex da órbita pode provocar inicialmente uma perturbação do II, III, IV, V ou VI par craniano. Um exemplo é o caso de um hemangiopericitoma do vértice da órbita que se apresenta com uma rápida baixa da acuidade visual (AV). Pelo contrário, um meningioma também apical mas localizado um pouco mais temporal, afecta primeiro as estruturas da fenda orbitaria superior antes do nervo óptico.

    Assim, podemos encarar cada lesão, como tendo os seus efeitos funcionais e efeitos de massa. São as características destes dois efeitos que nos ajuda a discernir a localização da lesão.

    O efeito funcional interfere com a fisiologia motora, sensitiva ou secretora das estruturas orbitárias. O efeito de massa, pode ser positivo, quando, como lesão que ocupa espaço, vai deslocar as estruturas orbitárias, ou pode ser negativo, quando aumenta o continente, como nas fracturas e na descompressão orbitaria, ou quando diminui o conteúdo da órbita por cicatrização e retracção dos tecidos, como em algumas metástases de carcinomas.

 

    Os padrões anatómicos da órbita podem ser divididos em anterior, difuso, apical, lacrimal, miopatico, ocular, periorbitário, intracónico, nervo óptico, e do sistema de drenagem lacrimal. As doenças de cada uma destas áreas, tendem a produzir sinais e sintomas que reflectem a sua localização. Exemplificamos as cinco primeiras localizações com a inflamação idiopática aguda da órbita, e as cinco restantes com um modelo inflamatório.

 

 A) Anterior

 As inflamações idiopáticas anteriores ou perioculares podem ser caracterizadas por dor, diplopia, quemose, edema palpebral, hiperémia, uveíte, papilite, neuropatia óptica, e até descolamento de retina (DR) exsudativo inflamatório. Todas estas características estão relacionadas com a localização e a intensidade do processo na órbita anterior, que ao estar adjacente ao globo ocular, naturalmente o afecta. O quadro típico é de proptose, quemose, hiperémia palpebral, dilatação das veias retinianas, e possivelmente uveíte. Caracteristicamente, nos exames de imagem (TC) encontramos uma infiltração da órbita anterior com captação de contraste, intimamente relacionada com o globo, que produz espessamento da coroideia e esclerótica, obscurecendo a junção do globo com o nervo óptico.

B) Difuso

A inflamação idiopática difusa é semelhante na apresentação cínica à anterior, mas mais intensa nas características inflamatórias, com uveíte e papilite, Está frequentemente associada a neuropatia óptica e défices motores e sensitivos. A TC mostra toda a órbita envolvida por um infiltrado difuso, mal definido e que capta contraste.

C) Apical

A inflamação idiopática aguda apical ou perineural produz menos proptose, dor ou inflamação visível, mas está associada a neuropatia óptica precoce ou a sintomas motores ou sensitivos. Se o processo afecta a fenda orbitária superior no ápex, pode ser visível a congestão vascular pela obstrução da veia oftálmica superior. Assim, caracteristicamente, o doente queixa-se de dor, limitação dos movimentos oculares ou alterações visuais características destes síndromas do ápex (como na síndroma de Tolosa-Hunt). A TC confirma a inflamação apical e perineural.

 D) Lacrimal

 A inflamação lacrimal idiopática aguda apresenta-se com dor localizada, empastamento e hiperémia da porção temporal da pálpebra, com glândula lacrimal palpável, e deformação em S da pálpebra superior. A TC revela um infiltrado irregular e mal definido confinado à porção supero-lateral da órbita, adjacente e obscurecendo a porção externa do globo ocular, que se encontra deslocado para baixo e para dentro.

E) Miopatico

 A inflamação idiopática aguda dos músculos é caracterizada por dor com os movimentos oculares, hiperémia do globo ocular localizada sobre a inserção anterior dos músculos afectados, e diminuição da motilidade. A TC revela infiltrado irregular que capta contraste, que envolve um ou mais músculos, com relativo aumento do ventre muscular e da sua inserção tendinosa até ao globo (ao contrário da OT).

F) Ocular

A inflamação ocular naturalmente pode estender-se às estruturas orbitárias adjacentes, como o demonstram nos doentes com queratite, uveíte, conjuntivite, e esclerite na síndroma de Cogan.

G) Peri-orbitário

As doenças originadas nos seios perinasais, na face e na cavidade intra-craniana podem estender-se para a órbita e afectá-la, por contiguidade ou como resultado de lesão das estruturas neurosensoriais ou vasculares orbitárias. Isto é bem demonstrado nas inflamações dos seios perinasais, em que a apresentação clínica depende da localização da doença primária e do seu grau de evolução. Estes podem incluir celulite difusa, fistulização, inflamação recorrente, ou proptose aguda por formação de abcesso sub periósteo. Lesões intra-cranianas podem também afectar as estruturas orbitárias.

H) Intracónico

As lesões dentro do cone muscular provocam deslocamento anterior axial e défice funcional do globo ocular, nervo óptico, músculos óculo-motores e gânglio ciliar.

I) Nervo óptico

Inclui-se nesta categoria as doenças que primariamente afectam o nervo óptico. Aqui o efeito da doença é também governado pela localização primária, se encontrar no próprio nervo, ou nas bainhas que o envolvem: a diferença é demonstrada pela nevrite óptica intrínseca, versus inflamações das bainhas. Mas a diferença da fisiopatologia é melhor percebida na clínica destes tumores, em que o início, características, progressão, sinais e sintomas são diferentes entre tumores intrínsecos (gliomas) versus tumores das bainhas (meningiomas).

 

J) Sistema de drenagem lacrimal

A inflamação do sistema de drenagem pode provocar epífora, inchaço da orbita anterior e palpebral, desvio superior ou externo do globo, e fistulização. O efeito depende da intensidade e da natureza da doença primária.

 

   

    Resumindo:

    A doença inflamatória foi usada para ilustrar a maioria dos padrões anatómicos da doença orbitaria, mas todas as outras doenças podem ser vistas de maneira semelhante.

    O efeito destas doenças é condicionado pela alteração fisiopatológica que causam nessa localização. A maior diferença está em que as neoplasias são dominadas por um efeito de massa que normalmente não é inflamatório.

    As lesões anteriores provocam maiores efeitos oculares directos devido à relação de proximidade com o globo, enquanto que as doenças difusas envolvem estruturas motoras e sensitivas da toda a órbita e podem provocar imobilidade ocular e défices sensitivos (dor, parestesia, perda de função visual).

    A doença apical tende a afectar o nervo óptico, nervos sensitivos e motores mais cedo como nas infiltrações por carcinoma metastático, com grandes alterações motoras precoces (ptose e limitação da motilidade ocular), sensitivas (parestesia), e baixa visão, sem grande evidência efeito de massa por lesão ocupando espaço (proptose).

    A patologia lacrimal é dominada pelas alterações funcionais (lacrimejo ou xeroftalmia) e estruturais da glândula, fossa lacrimal e terço externo da pálpebra superior. Um tumor nesta localização pode provocar um empurramento do globo ocular para baixo e para dentro, alterações sensitivas por lesão dos nervos fronto-temporal e fronto-zigomático, e uma deformação em S da pálpebra superior.

    As doenças miopáticas, como a OT, provocam estrabismo restritivo devido a uma combinação de fibrose, efeito de massa, e disfunção neuromuscular.

    As doenças oculares têm alterações funcionais sintomáticas (baixa visão, miodesópsias, fotópsias, dor, fotofobia) que afectam inicialmente a visão, e são facilmente acessíveis à visualização do globo ocular.

    As doenças do espaço peri-orbitário podem provocar efeitos grandes e súbitos (p. ex: abcesso) com o desvio das estruturas vizinhas condicionado pelo local primitivo.

    Doenças do sistema de drenagem lacrimal normalmente são caracterizadas funcionalmente por obstrução que leva à epífora com ou sem infecções recorrentes.

 

    Apesar da complexa natureza da órbita como unidade anátomo-funcional, a localização das doenças pode normalmente ser bem definida pelos sinais e sintomas que provocam. É o conhecimento destes sinais e sintomas que nos permite orientar no diagnóstico clínico das doenças orbitárias.


 

    3- Da abordagem fisiopatológica

        à observação clínica da doença orbitária

 

    Devido à grande variedade de patologias orbitárias possíveis, quando somos confrontados com um doente suspeito de ter uma doença orbitaria, podemos ficar um pouco confusos. No entanto, há padrões clínicos básicos que constituem o suporte para analisar cada caso. A primeira abordagem clínica é o melhor meio de que dispomos para propor um diagnóstico provisório, e é a base para uma posterior investigação.

    Devemos começar a analisar um caso tentando localizar e caracterizar o processo que a doença provoca. Basicamente, a colheita da história clínica e a observação deve ser dirigida para poder responder a duas perguntas:

    A) Onde está localizada a doença?

    B) Como é que a doença afecta as estruturas orbitárias, isto é, que alterações dinâmicas provoca?

    Com a resposta a estas duas perguntas, podemos delinear uma investigação complementar.

     

    A) Localização da doença

 

    A primeira pergunta (“onde?”) é normalmente a de mais fácil resposta. Pistas para a localização podem ser obtidas pela análise dos mecanismos de desvio das estruturas orbitárias. Quando um processo desvia as estruturas orbitárias, a direcção do deslocamento é uma pista para a determinação do local da lesão. O efeito pode ser visto como positivo se a doença ocupa espaço e empurra as estruturas centrifugamente, ou negativo, se as atrai para si centripetamente, devido a fibrose, escavação, ou ambos (um efeito negativo pode ser devido a atrofia do conteúdo, ou aumento do continente, secundário a hipoplasia das estruturas adjacentes, expansão, trauma ou alterações osteolíticas).

    O exame objectivo deve dar informação do grau e direcção do desvio das estruturas orbitárias afectadas. O desvio do globo ocular deve ser medido nas suas 3 dimensões, com o doente sentado a olhar para a frente (de preferência, para o olho oposto do observador):

    a) Desvio horizontal, na altura do canto, desde o centro do nariz até ao limbo interno;

    b) Desvio vertical, acima ou abaixo da linha inter-cantal;

    c) Desvio antero-posterior (proptose ou enoftalmia), com o auxílio de um exoftalmómetro, um olho de cada vez.

 

    Para além das pistas mecânicas que indicam a localização, os défices funcionais podem também ajudar a definir o “onde” da doença. Por exemplo: uma doença localizada no ápex pode ter um défice visual, sensitivo e motor desproporcionado quando comparado com o grau de desvio das estruturas (proptose). Ou uma doença que afecte primariamente a função motora deve dirigir a atenção para as estruturas neuromusculares da órbita, etc.

 

    B) Alterações dinâmicas

     

    As alterações dinâmicas são de determinação mais difícil e requerem a análise de duas características básicas da doença:

        1) A variação no tempo

        2) O processo anormal

 

        1) A variação no tempo

    Deve-se perguntar na história clínica por evidência de variações no tempo da doença, como seja a variação diurna ou a natureza intermitente, com especial ênfase para a altura de início e a duração de instalação dos sintomas. Por exemplo, muitos doentes com OT têm mais proptose, edema palpebral e diplopia ao levantar, como resultado do edema orbitário ser agravado pela posição de decúbito.

    Quer a hora de início quer a rapidez de instalação do sintoma, fornecem pistas para a natureza da doença subjacente. Uma grande alteração que ocorre em várias horas sugere uma hemorragia de uma lesão pré-existente, ou uma inflamação fulminante, com ou sem lesão prévia. Uma alteração não tão rápida mas progressiva, sugere um processo inflamatório ou uma neoplasia fulminante. Pelo contrário, uma alteração insidiosa, pode ser devida a uma inflamação de baixo grau ou a uma neoplasia, benigna ou maligna. Finalmente, uma alteração intermitente, como seja uma pulsação ou uma alteração com a manobra de Valsalva, sugere um defeito ósseo da parede da órbita (que a separa da cavidade craniana) ou a existência de uma relação entre a lesão e o sistema vascular.

 

        2) O processo anormal

    As alterações anormais podem ser divididas em quatro categorias clínicas básicas: Não são necessariamente independentes, mas fornecem a base de trabalho para a caracterização de uma patologia orbitaria particular. Tendemos associar certos sinais clínicos em cada um destes processos:

    Sinais inflamatórios – A inflamação é caracterizada e pode ser inferida a partir de sinais e sintomas de dor, calor, rubor, efeito de massa e perda de função. O grau da inflamação aguda ou crónica está de relacionado com a intensidade dos sinais e sintomas e a velocidade do seu início.

    Efeito de massa – consiste no desvio das estruturas orbitárias, com ou sem sinais de envolvimento de estruturas sensitivas ou neuromusculares. O desvio aponta para a localização da doença e ajuda a caracterizar a sua natureza.

    Alterações infiltrativas – As doenças infiltrativas estão normalmente associadas a evidência de destruição, compartimentação ou ambos. Entre eles os efeitos nos movimentos oculares ou na função sensitiva (diplopia, restrição muscular ou fibrose, neuropatia óptica, dor ou parestesia).

    Alterações vasculares – A alteração nas características, tamanho e integridade estrutural dos vasos pode implicar um processo vascular subjacente. As alterações major que indicam doença vascular são: dilatação venosa, exsudação tecidular, hemorragia, enfarto, e alterações estruturais dos componentes vasculares.

 

 

 

    Observação do doente com patologia orbitaria

 

    A observação da órbita deve procurar obter informação que permita uma análise fisiopatológica da doença.

 

    A) Anamnese

 

    A história da doença actual deve estar orientada para o tempo de aparecimento das alterações dinâmicas e para os grandes sintomas fisiopatológicos que provoque. Na investigação das alterações dinâmicas que vão surgindo, há que perguntar pela altura de início, duração, intermitência e cronicidade da doença. É frequente pedir ao doente fotografias antigas ou dados da observação por familiares. Os sintomas que sugerem vários processos fisiopatológicos, podem ser enquadrados em alterações sensitivas, motoras, psico-físicas, estruturais e funcionais.

    Os sintomas sensitivos incluem dor (que deve ser caracterizada na intensidade, localização, irradiação, e associação com os movimentos oculares ou exposição à luz), diminuição ou perda da sensibilidade e parestesias.

    Os sintomas relacionados com alterações motoras são: diplopia (que deve ser caracterizada na sua variação com a posição do olhar), dor, e sensação de aperto com os movimentos oculares, que pode significar componente restritivo ou cicatricial.

    Os sintomas psico-físicos estão relacionados com a variação da acuidade visual, alteração da visão cromática, presença de escotoma.

    As alterações estruturais estão relacionadas com o desvio do globo ocular (proptose, enoftalmia, ou desvio vertical e/ou horizontal), sensação de peso ou pressão orbitária, de edema palpebral, e presença de massa.

    Outras alterações funcionais relacionadas com doença orbitaria incluem a epífora, lacrimejo e xeroftalmia. Outros sintomas que reflectem doença vascular são edema, hiperémia, e dilatação das veias esclerais.

 

    Perguntas gerais:

    As doenças da órbita encontram-se frequentemente associadas a doenças sistémicas. Deve ser averiguado o estado de saúde geral, a    história medicamentosa passada e actual, alergias e doenças dermatológicas significativas. Doenças passadas, especialmente do foro endocrinológico, imunitário, oncológico, infeccioso, cirúrgico, e as principais doenças médicas. Especial atenção aos sintomas da doença do Sistema Nervoso Central (SNC), como cefaleias, e sintomas sensitivos e motores. Por vezes, uma história familiar pode ajudar a revelar um diagnóstico, especialmente se relacionado com doenças do sistema imunitário, endócrino e do foro oncológico ou infeccioso.

 

    B) Exame objectivo da órbita

 

    Pode ser dividido em geral, psico-físico, orbitário, movimentos oculares e ocular.

 

    Na observação geral há que ter em atenção o contorno facial, as assimetrias laterais e verticais da face, órbita, pálpebras, e estruturas oculares, alterações da cor e pigmentação.

    Palpação da órbita (glândula lacrimal, resistência à retro-pulsão) e estruturas peri-orbitárias, como a pesquisa de adenopatias pré-auriculares, sub-mandibulares e cervicais.

    Observação das pálpebras e conjuntiva para detectar alterações da posição ou da estrutura. Medição da fenda inter-palpebral, sulco e prega palpebral, retracção da pálpebra superior e inferior, "lid lag", exposição escleral, função máxima do elevador, hiperémia palpebral e conjuntival, edema pré-septal, pré-tarsal e quemose.

    O exame psico-físico inclui a determinação da melhor Acuidade Visual corrigida, campimetria por confrontação, visão cromática. Pesquisa da sensibilidade do V par craniano. Tamanho, simetria e reflexos pupilares (Defeito Pupilar Aferente).

    A observação da órbita deve documentar o grau de desvio horizontal e vertical do globo, exoftalmometria, e resistência à retro-pulsão.

    Registo dos movimentos oculares nas quatro posições do olhar, "cover test", e se necessário, teste de ducção forçada.

    A observação ocular deve incluir medição da Pressão Intra-Ocular em posição primária e no olhar para cima (teste de Brailey). Biomicroscopia da córnea, conjuntiva e fundos de saco. Fundoscopia, com estudo da papila (papiledema), vasos retinianos (optociliar), pregas da coroideia.

 

    Depois de da anamnese e do exame objectivo é útil fazer um resumo do perfil da doença e que das suas repercussões anátomo-fisiológicas, o que conduzirá a um diagnóstico provisório, que será confrontado no diagnóstico diferencial e indicará um plano de investigação com meios complementares de diagnóstico.

 

 

                  Oncologia,

Grupo de  Órbita e

                  Oculoplástica

Semiologia